Línfomania - O lounge, os anjinhos e a sorte que temos
Hora de enfrentar o segundo ciclo, o primeiro como disse foi até uma surpresa pela positiva, não fosse o problema das injecções, e teria sido bem tranquilo, mas não retirei disso qualquer conclusão precipitada, já o tinha referido em posts anteriores, neste tipo de tratamentos haverá sempre vários factores que podem mudar tudo repentinamente, agradecer por ter corrido bem, mas nunca embandeirar em arco como se costuma dizer.
O que me lembro perfeitamente deste segundo ciclo, foi a noite anterior ao tratamento no hospital, uma noite bastante chuvosa e sem saber bem porquê, uma noite muito mal dormida, todos os ingredientes para ir de trombas e cansado para a sessão de quimioterapia, levantei-me uma hora antes do previsto, não fosse dar-me o sono na hora de acordar, tempo suficiente para mudar o chip e seguir.
Para surpresa minha desta vez não iria fazer o tratamento na sala usual, repleta de cadeirões, mas sim, numa enfermaria com camas, o “lounge”, porque isso de fazer tratamento numa caminha é outra qualidade e proporciona outro espaço, que nos cadeirões não temos, óptimo para quem quer dormir uma soneca, coisa que nunca consegui fazer.
A enfermaria não tem mais do que oito camas, e por norma, quem para lá vai, ou tem tratamentos de longa duração, pouca mobilidade ou outras patologias que requer ficarem acamados, no meu caso foi mesmo por ser o espaço livre nesse dia.
E este post de hoje mais do que falar sobre tratamentos e afins, serve para falar, e em parte homenagear a senhora que vos irei apresentar a seguir, a qual, eu vou chamar a Senhora dos anjinhos.
A Senhora dos anjinhos é uma senhora franzina com idade para ser minha mãe, bastante debilitada, mas com um sorriso enorme na cara, deu logo a entender que era uma pessoa já bastante conhecida pela forma como era tratada e como ela tratava todos com um sorriso, vinha acompanhada de um senhor que à primeira vista pensei ser seu familiar, e deitou-se numa cama em frente a minha, onde ficaria a aguardar os resultados das suas análises, antes de qualquer tratamento.
E o que tinha de tão especial esta senhora?
Esta senhora era toda ela uma historia de vida, que desde logo me prendeu toda a atenção, e toda esta historia iria ser contada por ela, entre choros, risos, gargalhadas e nunca se queixando de fosse o que fosse, pelo contrario agradecendo por toda a sorte que ela dizia ter, e dai vem os anjinhos que de agora em diante iriam cair do céu como bênçãos que ela própria dizia ter, mas como era isso possível, se a primeira vista se percebia que esta senhora passava por um mau bocado, e nem interessa muito saber que cancro ou problema tinha, estava tudo perante os nossos olhos.
Pois o seu testemunho, a sua forma de pensar e lidar com as coisas, era , que apesar de todos os azares que o destino lhe tinha pregado, sentia-se feliz por ter boas pessoas em sua volta que a ajudavam e sentia se enormemente grata por isso.
Neste dia conheci a gratidão num pedaço de gente:
Devido aos seus braços magrinhos, não era fácil para a enfermeira encontrar veias para os procedimentos necessários, e a senhora de forma meia convulsa chorava como que se desculpando de algo que nem sequer tinha culpa, e de repente sorria agradecendo esse anjinho que tão pacientemente estava ali cuidar dela, e dizia obrigado mil e uma vez, como agradecia vezes sem conta, aquele senhor que estava ali esperando por ela, o seu anjinho, que nem da sua família era, mas que por ser boa alma se oferecia para a acompanhar aos tratamentos sem nada pedir em troca, e ela chorava e sorria agradecendo como se fosse a pessoa mais sortuda do mundo.
A sua história de vida, é a de uma pessoa sem qualquer posse, que sobrevive de uma pensão ridícula, que depende das ajudas que lhe dão, e por todas elas, ela agradece, e nunca ouvi dela, queixa de fosse o que fosse.
Os resultados das suas análises chegaram pouco depois, uma anemia, nada de muito anormal nestas doenças e com este tipo de tratamentos, mas é preciso se perceber o porquê, e por entre conversas de médica e enfermeiros (anjinhos quero eu dizer), ver o que poderia estar a falhar nas recomendações que lhe tinham sido feitas.
Conclusão, era a alimentação, e em jeito de desabafo a senhora lá explicou que recebia diariamente a comida de uma associação, e que devido a sua fraca dentição, muitas vezes não tinha como comer aquilo que lhe traziam, e como ela não queria se queixar aos anjinhos que lhe davam comida, nunca ousou lhes chamar a atenção …. E chorava e ria, e continuava a agradecer.
E fico me por aqui nos exemplos da senhora dos anjinhos, a parte boa dentro do possível, é que desde logo os anjinhos que ali estavam a tratar dela, fizeram questão de saber qual seria a associação em questão para entrar em contacto com eles, e arranjar uma solução na comida que lhe seria entregue, para que as refeições fossem o mais completas possível dentro das limitações que a senhora tinha, e muitas outras coisas seriam ali tratadas.
O resto foi boa conversa, choro risos e gargalhadas, até a hora de ir embora, incrível, mas nesse dia custou-me tanto vir embora, teria ficado ali o dia todo se fosse preciso, mas lá vim, e se hoje conto esta minha aventura, acreditem, muito se deve a senhora dos anjinhos, porque de uma forma ou de outra eu teria que contar esta história.
E lá vim todo sorridente a pensar para mim, oh cúmplice e tu vais te queixar de quê afinal? A sorte que temos, e muitas vezes nem percebemos.
Vim para casa completamente esgotado e bem cansado, e quando eu pensava que jantava e redondo na cama iria cair, a inspiração deu-me as voltas e foi nesse dia a noite que escrevi o “Vesti a felicidade” que podem encontrar no outro blog.
Como este mundo seria melhor com mais Senhoras dos anjinhos, Muito obrigado Dona A.
Cenas do próximos capítulos: “A travessia no deserto segundo a minha boca e os seus discípulos”